sexta-feira, 8 de junho de 2012

TRÊS CABEÇAS E UM JESUS


Sou sacerdote católico, tive chance de uma formação que considero sólida por causa das faculdades que freqüentei e do grupo de sacerdotes ao qual pertenço. O fundador era advogado e sociólogo que se fez sacerdote num tempo de intensas mudanças políticas e comportamentais. Manifesto Comunista, Marx, Engels, Freud, Proudhon, Socialismo nascente, secularismo e laicismo em esboço. Bem ou mal, com grande ou pequena repercussão ele ofereceu um caminho: o do coração renovado e solidário, inspirado no de Jesus. Conheço os documentos principais da minha Igreja, acho que assimilei o Catecismo da Igreja Católica e penso ter conhecimentos suficientes da sua Teologia Primeira. Meus professores, superiores e colegas assim o dizem. De certa forma fui um privilegiado. Recebi mais informação do que a maioria dos católicos recebem; depois, tive chance de buscá-la. Sou ávido leitor e História, sociologia, antropologia, teologia e psicologia. Não é mérito: é dever. Ai do padre que não mergulha em maiores conhecimentos. Cai na mesmice que nos põe em ridículo, porque nosso discurso acaba em funil: sempre a mesma coisa. Os fiéis reclamam e com razão! Com todos os livros que li, tentando entender todas as correntes de pensamento e de espiritualidade que há dentro da Igreja, escolhi ser padre a serviço de todos os que me aceitam. Nossa Igreja tem inúmeras correntes de espiritualidade e inúmeros enfoques teológicos; se ela os aceita é porque sabe que cabem dentro da mesma Igreja. Não é a toa que nos intitulamos “cat –holicos” abrangentes, para todos. O problema, portanto, não são nem as correntes nem os enfoques, mas os indivíduos que radicalizam. Se todos fossem serenos, moderados, capazes de diálogo, capazes de discordar sem cair em discórdia, todos os grupos e movimentos se enriqueceriam; um aprendendo com o outro, um acentuando com o outro ou todos deixando de acentuar aquilo que prejudicaria o caminhar da Igreja. O problema, então, não está apenas nas ideias, mas no jeito de ser dos indivíduos que as divulgam. Temos, todos, esta tendência de achar que o sol brilha mais nos templos e grupos que freqüentamos e padecemos da terrível enfermidade de urticária quando temos que elogiar e reconhecer valores em alguém que discorda de nós. Esses dias celebrei uma missa em paróquia frequentadíssima. Na hora da comunhão até esbocei um sorriso: vieram em fila dupla, lado a lado, os católicos que eu conhecia bem; um deles ultraconservador daqueles para quem padre bom é o que prega doutrinas de 1.600. O irmão em questão não aceita o Vaticano II, tem ojeriza à Teologia da Libertação porque acha que todos os que pregamos igualdade e justiça temos viés marxista. Para ele, apenas uns 5% dos padres ainda são ortodoxos; todos os outros se desviaram. Segundo ele, a partir do Vaticano II a Igreja se desviou da ortodoxia; não aceita os documentos do CELAM, discorda das orientações da CNBB, mas considera-se católico apostólico romano legítimo, ortodoxíssimo… Distribui os livros do Pe. Gobbi e os de São Luis Maria Grion de Monfort e discorda de A até Z da Doutrina Social da Igreja Católica. Lá estava ele comungando do lado direito da fila. Do lado esquerdo, o outro: petista de primeira hora, que admite os erros do PT, mas ainda acha que é o melhor partido para a situação brasileira. Quando jovem, militou na Teologia da Libertação e ainda milita,mas acha que ela já não tem respostas nem quadros para mudar o Brasil. Participou de comunidades de base, faz parte da Pastoral da Terra, tem, todos rabiscados em casa, os documentos do Vaticano II. Ainda tem um carinho muito grande pelo Documento de Puebla, aceitou o de Aparecida com algumas restrições; considera-se um católico de vanguarda. Está decepcionado com os bispos e padres de agora que pouco falam do social. E lá estavam os dois na fila da comunhão, recebendo das minhas mãos o Corpo e o Sangue de Cristo, Se Jesus os acolhe porque não eu? Se ambos buscam o mesmo Cristo que a Igreja, por minhas mãos de homem limitado lhes oferece, embora as ideias deles estejam tão distantes, por que eu os condenaria? Serei eu melhor do que eles só porque li e estudei mais? Naquele momento eles comungavam o mesmo Cristo a respeito do qual divergem. Jesus hoje seria da loinha conservadora ou progressista? E o que é ser progressista ou conservador? Não temos que ser as duas coisas a depender do assunto? Os dois são vizinhos e se tratam muito bem, mas já descobriram que não podem nem devem discutir política juntos. A coisa ferve. Por isso, pelo bem de suas famílias vai cada um para o seu lado nas suas pastorais e reuniões, mas vão juntos para a mesma missa. O pároco me contou e eu já os conhecia. Esse é o lado bonito de ser católico!… Nenhum dos dois quer fundar uma nova Igreja ou pensa ir para outra Igreja, nem eu. Somos cat-holou “para todos”. Nenhum de nós três nega os dogmas fundamentais da Igreja, mas os três, temos posturas diferentes na questão do Reino de Deus e da sua implementação. O que é bonito nos dois é que Têm idéias radicais, mas eles, pessoalmente, não são radicais. Descobriram um jeito de conviver com respeito, mesmo tendo idéias radicais. Aprenderam a discordar sem cair na discórdia, embora, os dois achem padres com os quais eles comungam, melhor. Aceitam minha liderança e vêem valor no meu jeito de anunciar Jesus, mas ambos consideram-me conciliador demais. Contei o fato a um colega sacerdote que me disse que o mesmo acontece com ele e, ambos, chegamos à mesma conclusão: no colo da Mãe Igreja cabem filhos com ideias diferentes e até antagônicas, mas pelo amor da Mãe e por amor a Mãe os dois se respeitam. Se alguém me perguntar o que é ser católico apostólico romano, eu responderei dizendo que a história que acabei de contar é uma das razões pelas quais acho que vale a pena ser sacerdote católico. O que percebi e percebo é que os abertos ao diálogo, capazes de conciliação, pacientes no perdão, acabam morrendo católicos e os irreconciliáveis, radicais demais e incapazes de conviver com outro modo de ser, mais cedo ou mais tarde deixam o catolicismo, ou tornam-se católicos mudos e amuados, mais resmungam do que conversam. Decidem que sua turma e seu grupo é que é verdadeiramente católico. Os outros um dia se converterão e serão como eles. Deus lhes disse que assim é. Será que disse?


                               Texto escrito por/ Pe.Zezinho,scj. Titrado do site oficial do padre.

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